Artigo | A transformação digital no varejo
Existem muitas indústrias que no decorrer das ultimas décadas foram amplamente impactadas pelos avanços proporcionados pela transformação digital. Na Moving, tivemos a oportunidade de guiar empresas de muitas delas por suas jornadas de transformação. Alguns casos bem interessantes foram relacionados a indústria financeira onde impulsionamos novos produtos, plataformas e soluções digitais. Tudo isso acompanhado por grandes reestruturações no modelo de gestão, assim como na organização das áreas e suas camadas.
Outros casos bem curiosos foram relacionados a indústria de projetos de capital. Nesse caso o uso do termo “curiosos” não é por acaso. Isso porque quando se pensa na indústria financeira é fácil imaginar os caminhos que a transformação digital pode seguir. Alguns exemplos são:
1. Desenvolver novos produtos digitais
2. Criar jornadas de vendas exclusivas o ambiente digital
3. Automatizar atendimentos
4. Utilizar dados para gerar ofertas personalizadas de investimento
5. Simplificar os serviços internos por meio da tecnologia
Esses são apenas alguns poucos e simples exemplos. Existem outros com maior complexidade e profundidade, mas com base nesses já é possível imaginar as avenidas que uma instituição financeira pode seguir e viver a transformação digital. Agora, quando se imagina uma indústria de projetos de capital os caminhos são bem diferentes, afinal, a construtora de uma hidroelétrica não comercializa a energia com o usuário final. Portanto não existe esse relacionamento direto.
Da mesma forma, você que está lendo esse texto certamente não entra em contato com uma mineradora para comprar um quilo de minério de ferro. Ou seja, os caminhos da transformação digital em uma indústria como essa não passam pelo desenvolvimento de soluções que busquem capturar valor por meio de vendas. Tampouco por outro tipo de relacionamento digital com o usuário final. Porém, isso não impede que essa indústria também possa viver a transformação digital.
Uma maneira clara de entender como a indústria de projetos de capital ser transformada pelo digital é imaginar o desenvolvimento de soluções que tirem colaboradores do risco. Ou seja, as possíveis respostas para as seguintes perguntas: quais soluções podem ser criadas para evitar que um colaborador precise fazer uma manutenção física em uma ponte suspensa? Ou o que pode ser desenvolvido para que uma pessoa não precise mais usar manualmente um martelo hidráulico para fazer a sondagem de um terreno? Existem outras inúmeras formas, mas esses simples exemplos deixam claro quais caminhos se podem seguir.
Guiar empresas dessa indústria pelo mundo da transformação digital gerou use cases realmente incríveis. Porém, existe uma indústria que representa um desafio ainda maior, o varejo! Ele é o protagonista desse texto.
Uma das características que tornam o varejo tão desafiador é a velocidade necessária em seus movimentos. Todo e qualquer plano, estratégia ou visão de horizonte será comprometida caso as vendas no dia a dia não alcançarem o volume esperado. Esse é um grande desafio para a transformação digital, afinal, o desenvolvimento de novas iniciativas que busquem captura de valor podem ser despriorizados à medida que as vendas demandem alguma campanha de reação ou ação que busque recuperar a venda do dia.
Aliado ao desafio dos tempos e movimentos que são muito particulares no varejo, essa indústria também possui a característica de trabalhar com pequenas margens. Ou seja, os recursos são escassos, sejam eles financeiros ou de pessoas. É muito natural que os colaboradores do varejo trabalhem no limite da sua capacidade e sempre acompanhados de uma lista de tarefas maior do que se poderia realizar. Diante dessa baixa disponibilidade de recursos, é natural que não seja possível a aumentar o número de equipes para que haja um foco em novas iniciativas tecnológicas. Por outro lado contar com a alocação de pessoas que já fazem parte das empresas muitas vezes não é uma possibilidade real. Elas normalmente já estão sobrecarregadas.
Todo esse contexto presente na realidade do varejo precisa ser considerado no momento de construir a estratégia de transformação digital. Ela precisa vir acompanhada de um modelo organizacional, de gestão e também operacional capaz de dialogar com todas essas características. Sem deixar transformá-las, porém de forma cadenciada e sem criar situações que impactem em vendas.
De forma executiva, é preciso buscar um desenho que promova o equilíbrio entre a necessidade de manter, sustentar e melhorar as operações que garantem a venda, mas criar em paralelo um espaço protegido da dinâmica do dia a dia. Para que nele se possa buscar a captura de valor para a empresa por meio do desenvolvimento de novas iniciativas e soluções baseadas em inovação.
Uma estratégia experimentada com sucesso pela Moving em empresas do varejo é a da transformação por meio de uma Aceleradora Digital. O nome da estratégia em si pode variar. Em algumas empresas em que essa estratégia foi implementada a nomenclatura adotada foi Hub de inovação em outras se adotou um nome customizado aos elementos da sua cultura. O mais importante é compreensão do conceito envolvido na estratégia. Para fins didáticos vamos adotar nesse texto o nome de Aceleradora Digital, que foi o utilizado pela ultima empresa do varejo que a Moving guiou por sua jornada de transformação.
A estratégia baseada em uma Aceleradora Digital se estabelece sobre alguns pilares importantes. O primeiro deles é ser um espaço protegido da dinâmica diária de uma operação do varejo, ou seja, menos impactado pelas mudanças repentinas de prioridades e do “caos ordenado”, que é natural em empresas dessa indústria. De forma prática essa estratégia requer a criação de uma estrutura apartada, com uma governança própria e autônoma.
Como uma estrutura autônoma, os seus processos também podem ou precisam ser diferentes daqueles tradicionais da empresa. Isso quer dizer que processos mandatórios como o orçamentário, o de gestão e acompanhamento de resultados ou até mesmo de movimentação de pessoas precisam se diferenciar na Aceleradora Digital do restante da empresa. Em alto nível, a orçamentação precisa ser baseada em ciclos trimestrais de planejamento, não mais anual. O modelo de gestão precisa deixar a sistemática tradicional de metas anuais inflexíveis para que as equipes da Aceleradora experimentem um formato adaptativo, regido por OKRs que se conectem com as expectativas claras de resultados. O processo de movimentação de pessoas, assim como o de avaliação, precisam ser estruturados para equipes possam nascer e deixar de existir também de forma trimestral. Ou seja, tudo isso que parece ser algo irreal de ser implementado em uma empresa do varejo não transformada precisa ser construído para as equipes da aceleradora.
Elas vão experimentar, provar e medir a captura de valor que se pode obter por meio dessa nova forma de trabalho. À medida que o sucesso é constatado e evidenciado, aquilo que até então era real apenas para as equipes desse espaço seguro, agora está preparado para a ser escalado para toda a empresa.
É claro que a escolha de uma estratégia como essa precisa ser suportada por uma decisão da alta liderança. Pois como mencionado, ela requer uma estrutura de governança forte, refletida na seleção de uma pessoa que ocupará a posição de líder da Aceleradora Digital.
Essa pessoa precisará ser empoderada pela alta liderança para construir esses processos e promover mudanças que serão um tanto quanto incomodas para outros líderes da empresa. Essa pessoa se tornará gestora de todo o recurso financeiro alocado nas equipes que fizerem parte da estrutura. Isso requer conhecimentos fortes sobre agilidade, transformação digital, gestão financeira e também de negócios digitais para conduzir a tomada de decisões juntamente com os líderes de negócio.
Implementar essa estratégia pode ser uma tarefa desafiadora e certamente falhará se não for possível estabelecer a governança capaz de blindar as equipes da Aceleradora das demais rotinas operacionais. Já observamos casos de empresas que tiveram o acompanhamento da Moving no desenho da estratégia e que assumiram a implementação autônoma e falharam. Isso por que ao compor sua Aceleradora compuseram equipes que herdaram consigo todo o escopo de sustentação dos sistemas legados.
O resultado foi trágico, milhões investidos em sustentação, sem espaço para inovar e desenvolver iniciativas que pudessem promover captura de valor. As expectativas foram frustradas de todos os lados. Se por um lado as equipes da Aceleradora eram amplamente cobradas por um resultado que não tinham capacity de perseguir, afinal, manter todos os legados em funcionamento consumia todo o esforço dos times, por outro lado a alta liderança tinha expectativa de enxergar um ROI imaginário, já que na verdade aqueles milhões foram investidos na verdade em OPEX.
Outra receita para o fracasso é a ausência do envolvimento das áreas financeiras e de gente. Essas duas vice-presidências, em geral, são as donas dos principais processos organizacionais que precisam ser transformados. Sendo assim, mesmo na estratégia de Aceleradora Digital a construção dos processos de orçamentação, gestão de resultados, movimentação de pessoas, construção de governança e outros, precisa partir dessas áreas. No mínimo eles precisam ser totalmente envolvidas nessa construção.
A escolha do modelo de transformação digital baseado na criação de uma Aceleradora é um dos caminhos para se viver essa jornada. Existem outros, como o Full Agile Org, Agile in IT ou o de projetos executados com ágil. Mas depois de guiar várias empresas pela transformação digital, esse modelo se mostrou mais eficaz para empresas do varejo e com base nessas experiências esse caminho se tornou a primeira recomendação da Moving. Desde que os pilares de sustentação do modelo sejam solidamente construídos. Como mencionado no texto, a adoção seletiva de pedaços do modelo que a alta liderança achar interessante certamente levará a empresa ao fracasso. Porém, se implementado adequadamente, levará a empresa a experimentar os resultados que o ambiente digital pode promover no varejo.
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